O Narcisismo e as Relações Parentais

O narcisismo, entendido como o amor por si mesmo e a procura de satisfação e gratificação que resulta da admiração sentida, está presente em todas as relações, inclusive nas relações primárias, as parentais. Os pais projetam nos seus filhos uma enorme vontade para viver e amar. Contudo, muitas vezes esse impulso é mediado por desejos, expetativas, ilusões, sonhos dos próprios, promovendo o surgimento e a construção de uma relação pautada pela expetativa e a exigência.

A literatura e a teoria que se ocuparam desta temática, demonstram qual o impacto que os pais tem nos filhos. Contudo, é difícil encontrar uma referência clara ao narcisismo presente nas relações parentais. Os primeiros vestígios de interesse deste fenómeno são encontrados em Freud, que teorizou sobre a existência de uma tendência em atribuir aos filhos, por parte dos pais, os melhores atributos e capacidades. Muitos pais, projetam nos filhos o seu “EU ideal”, promovendo nos próprios pais a ideia de terem “acesso” a uma versão aperfeiçoada e perfecionista do que eles gostariam de ter sido. Esta projeção, pode dificultar o crescimento dos filhos, caso se sintam responsáveis por curar as frustrações e os desejos mais profundos do ego infantil parental.

Relações Parentais Difíceis

O papel da mãe é uma construção social. A mãe existe no momento do nascimento do bebe. Partimos do princípio que o amor de mãe é incondicional. Mas nem sempre. Por vezes carrega implicitamente uma parte de sofrimento, traumas, crenças, limitações que condicionam a disponibilidade para desempenhar o papel. Um exemplo disso são os filhos de mães controladoras. São pessoas que, apesar de terem atingido a maturidade, vivem presos a um vínculo primário prejudicial e complexo. Falamos de um problema que é difícil de reconhecer pelos afetados. De certa forma, o preconceito associado ao género ainda está presente, sendo que ainda existe um código de masculinidade que dificulta e, por norma, não vê com bons olhos o pedido de ajuda do homem, começando nos sentires do próprio homem que se sente desta forma. A relação de um homem com a sua mãe contribui de forma decisiva para a construção da sua identidade, personalidade, interferindo nos padrões de interação com os demais. Sendo assim, a sombra de uma mãe controladora pode acarretar sérias implicações quando se trata de alcançar a sua independência e felicidade. Geralmente, estas pessoas vivem num ambiente restrito e repleto de conflitos internos que não são pensados, antes, abafados internamente pela forte censura sentida. Vivem anulados emocionalmente e perante as suas necessidades, acabam por se sobrepor, regra geral, as necessidades dos outros, sentindo dificuldades para se impor e afirmar. As mães controladoras, condicionam a energia emocional da criança para colocar a sua própria como prioritária. A mensagem que o filho capta é a necessidade de conter o que sente uma vez que não é apenas vergonhoso, mas perigoso. Desta forma, o homem adulto que ainda vive sob a influencia dessa mãe controladora, continuará a mostrar uma grande necessidade de contenção emocional, procurando desta forma evitar o conflito. Essa contenção, feita de forma contínua ao longo da sua experiência de vida, vai acarretar consequências, quer a nível físico, quer psicológico.

Em primeiro lugar, podemos entender que o vínculo gerado por uma mãe controladora é um vínculo inseguro, captativo e não oblativo. Um vínculo no qual a criança não se sente validada emocionalmente e no qual, muitas vezes, irá demonstrar comportamentos agressivos e hostis. Dessa forma, o homem cresce com uma dinâmica de relação na qual sente que para se afirmar, tem de adotar reações exageradas e desadequadas face à situação que vive, mostrando sinais de perder o controlo como consequência da raiva que sente. Os recursos para lidar com a tensão interna ou situações que a despoletem, revelam-se muito limitados.

Neste tipo de relações, existe um controlo excessivo na relação com o outro. Este vínculo tóxico e pouco adequado acaba por ter um impacto bastante severo no desenvolvimento emocional da criança, dificultando o seu crescimento e o seu amadurecimento, interferindo na sua independência e na capacidade de tomar decisões. Outra das consequências é a clara dificuldade em estabelecer uma relação íntima e uma conexão emocional autêntica num relacionamento afetivo.

Estes sinais tornam-se mais evidentes na tendência inconsciente que estas mães revelam para empreender esforços no sentido de limitar a autonomia dos filhos, procurando frustrar qualquer tentativa de o filho ter o seu próprio espaço, poder investir e construir a sua vida de forma livre e mais independente, sem sentimentos de culpa.

 

Traduzido/Adaptado – André Ruas

Fonte: Kernberg, O. – Agressividade, Narcisismo e Autodestruição na Relação Psicoterapêutica, Climepsi Editores; Coimbra de Matos, A. – Adolescência, Climepsi Editores; Coimbra de Matos, A. – A Depressão, Climepsi Editores